3.23.2009

Primeiro é apenas uma certeza clínica.

Depois, uma sensação de confiança desmedida, uma alegria infinita e a consciência funda e misteriosa de existir em nós mais alguém.
De gerar uma vida.

Um filho deixa de ser uma abstracção quando sentimos a primeira impressão íntima de que deixámos de ser apenas um.
E quando ouvimos , através de máquinas, o som ampliado do seu coração acelerado, a transbordar de vida.

Mais tarde comove profundamente o seu primeiro choro e a imagem inteira da sua fragilidade.
O instante em que o vemos ainda despido, em que lhe tocamos pela primeira vez e em que sentimos a sua respiração inaugural.
Comove sentir o seu calor, descobrir os seus traços e vê-lo fora de nós, depositado sobre nós ou ao colo ainda inseguro de quem chora em silêncio ao nosso lado.

Naquele momento exacto ninguém sabe ao certo como vai ser amanhã, como será o outro dia e todos os dias que hão de vir.
É ali que recomeça tudo e tudo muda.
O cheiro em casa, o espaço à nossa volta, as horas do dia e a consistência da noite transformam-se para sempre.
Os gestos, os sons, os hábitos, as pessoas e todas as coisas ficam infinitamente diferentes do que eram até ali.

Depois, em cada dia, há uma surpresa.
Um olhar fixo de reconhecimento, um sorriso de entrega, uma mão que prende a nossa mão,um choro aflito que nos faz chorar, um riso desdobrado que nos contagia ou um passo hesitante que nos obriga a ficar ainda mais próximos.
A voz que se vai revelando e as perguntas que vai deixando no ar surpreendem-nos e ensinam-nos coisas que mais ninguém nunca nos poderia ensinar.

Nos primeiros anos sentimo-nos, como ele, fortes e frágeis, seguros e inseguros, felizes e angustiados, e é a soma de tantas emoções e inquietações que nos faz crescer e perceber que a vida é uma matemática delicada.
Há e haverá sempre coisas que não vamos entender nem saber fazer.

Não faz mal, pois a certeza de que tudo tem mais sentido porque simplemente ele existe, ajuda incrivelmente a viver os dias fáceis e difíceis.

Na verdade deixamos até de contar os anos que passam por nós para somar apenas os que contam para ele.
Como se a nossa idade deixasse de ser importante e existisse apenas a idade dele.

Catorze anos são muitos anos.
Tudo o que me lembro agora destes anos vividos juntos, e sempre tão próximos, foi muito bom e muito feliz.

Por tudo e por nada.
E é pelas grande coisas, pelos pequenos momentos, pelas longas conversas, por todos os risos e cada lagrima, e pelos silêncios verdadeiros, cuja substância só nós conhecemos, que hoje rezo e agradeço.

Laurinda Alvez, in XIS
respescado de Primeiros Passos

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